domingo, 13 de julho de 2014

Padrão ouro e os ciclos das crises.

Numa percepção mais minuciosa, pode-se verificar que Murtinho havia preparado o terreno, com o equilíbrio das variáveis macroeconômicas, para a implantação do padrão-ouro. Quando a Caixa de Conversão, órgão ligado ao Tesouro, é implantada, cria-se uma situação atípica na economia. Em primeiro lugar, adota-se o padrão-ouro sem que haja no país a presença de um Banco Central , órgão essencial para dar continuidade ao novo sistema monetário, e que teria dupla função: a de “guardião” do
padrão-ouro (através da manipulação da taxa de redesconto) e o de “emprestador de última instância”.

Em segundo lugar, coexistiam duas moedas circulando na economia- uma conversível (as notas emitidas pela Caixa de Conversão) e outra inconversível (as notas emitidas pelo Tesouro) - configurando um sistema insustentável. Deste modo, estamos diante de um regime de padrão-ouro com características heterodoxas.
Portanto, não é factível generalizar-se os impactos do regime do padrão-ouro clássico sobre os bancos comerciais no Brasil. A ausência de um Banco Central contribuiria para agravar a instabilidade do padrão-ouro no Brasil durante os ciclos de crise. Além do mais, a inexistência de cooperação dos Bancos Centrais dos países desenvolvidos diminuía a margem de manobra operacional dos países periféricos para manter a conversibilidade. EICHENGREEN menciona que outro fator desestabilizador do regime de conversibilidade nos países periféricos consistia na vulnerabilidade externa face às flutuações em seus termos de troca, dada a especialização destes países na produção e exportação de uma pequena diversidade de produtos primários. Este problema em particular, aliado aos efeitos desestabilizadores causados por mudanças nos fluxos de capitais internacionais faziam com que os impactos nas contas correntes e de capital se reforçassem mutuamente.
Ao mesmo tempo, para a análise dos efeitos do padrão-ouro nos bancos comerciais, é de extrema importância a descrição da conjuntura cambial e monetária vigente no país antes do estabelecimento da Caixa de Conversão no país.
Em 1906, a taxa de câmbio estava superapreciada. A austera política monetária de Murtinho, a crescente entrada de capital estrangeiro e a grande expansão das exportações de borracha do início de século XX foram os fatores que levaram a esta grande valorização da moeda nacional. Chama atenção, a discordância de alguns autores a respeito dos motivos que levaram o Governo a implantar a Caixa de Conversão.
Segundo LEVY “a implantação da Caixa de Conversão foi decorrência de uma política econômica visando o favorecimento da classe dos cafeicultores. A superapreciação cambial prejudicava o crescimento da atividade cafeeira de exportação. Em vista das circunstâncias descritas, os cafeicultores de Minas Gerais e do Rio de Janeiro liderados por São Paulo passaram a reivindicar uma política de valorização do preço internacional do café, através da retenção dos estoques excedentes.
Forma-se, então, o chamado “Convênio de Taubaté”, que estabelece como prioridade a tomada de empréstimos externos para dar curso à nova política com apoio do Estado. A União usa como mecanismo, em 1906, para a implantação da nova estratégia, a criação da Caixa de Conversão, que num primeiro momento tinha como objetivo a desvalorização cambial até que se atingisse uma taxa cambial de estabilização51.
Por outro lado, sob a ótica de FRITSCH, a adoção do padrão-ouro foi um mecanismo com vistas à estabilização cambial, e ao contrário do que a historiografia tradicional afirma, não foi um instrumento cuja concepção foi formulada para atender os interesses coorporativos dos cafeicultores.
Segundo o autor, a Caixa de Conversão “era um mecanismo capaz de trazer a estabilidade monetária doméstica e ao mesmo tempo, restaurar o equilíbrio a Balança de Pagamentos (...) e a afirmativa de que a adoção ocasional do padrão-ouro foi motivada pela intenção de proteger os interesses setoriais da cafeicultura parece ser uma simplificação grosseira”.
Partimos da premissa que as apreciações de ambos os pesquisadores são complementares e, portanto, adicionam elementos igualmente relevantes para a elucidação das razões que motivaram o governo a adotar o mecanismo da Caixa de Conversa, uma vez que o implemento da estabilização cambial e monetária era premissa necessária para que, de fato, ocorresse um aumento na entrada de recursos externos, pleiteada pelos cafeicultores.

Bibliografia:Chavantes   Ana Paula – A Consolidação do Setor Bancário em São Paulo na Década de 20 – fev 2004