Numa percepção mais minuciosa, pode-se verificar que
Murtinho havia preparado o terreno, com o equilíbrio das variáveis
macroeconômicas, para a implantação do padrão-ouro. Quando a Caixa de
Conversão, órgão ligado ao Tesouro, é implantada, cria-se uma situação atípica
na economia. Em primeiro lugar, adota-se o padrão-ouro sem que haja no país a
presença de um Banco Central , órgão essencial para dar continuidade ao novo
sistema monetário, e que teria dupla função: a de “guardião” do
padrão-ouro (através da manipulação da taxa de
redesconto) e o de “emprestador de última instância”.
Em segundo lugar, coexistiam duas moedas circulando na
economia- uma conversível (as notas emitidas pela Caixa de Conversão) e outra
inconversível (as notas emitidas pelo Tesouro) - configurando um sistema
insustentável. Deste modo, estamos diante de um regime de padrão-ouro com
características heterodoxas.
Portanto, não é factível generalizar-se os impactos do
regime do padrão-ouro clássico sobre os bancos comerciais no Brasil. A ausência
de um Banco Central contribuiria para agravar a instabilidade do padrão-ouro no
Brasil durante os ciclos de crise. Além do mais, a inexistência de cooperação
dos Bancos Centrais dos países desenvolvidos diminuía a margem de manobra
operacional dos países periféricos para manter a conversibilidade. EICHENGREEN
menciona que outro fator desestabilizador do regime de conversibilidade nos
países periféricos consistia na vulnerabilidade externa face às flutuações em
seus termos de troca, dada a especialização destes países na produção e
exportação de uma pequena diversidade de produtos primários. Este problema em
particular, aliado aos efeitos desestabilizadores causados por mudanças nos
fluxos de capitais internacionais faziam com que os impactos nas contas
correntes e de capital se reforçassem mutuamente.
Ao mesmo tempo, para a análise dos efeitos do padrão-ouro
nos bancos comerciais, é de extrema importância a descrição da conjuntura
cambial e monetária vigente no país antes do estabelecimento da Caixa de
Conversão no país.
Em 1906, a taxa de câmbio
estava superapreciada. A austera política monetária de Murtinho, a crescente
entrada de capital estrangeiro e a grande expansão das exportações de borracha
do início de século XX foram os fatores que levaram a esta grande valorização
da moeda nacional. Chama atenção, a discordância de alguns autores a respeito
dos motivos que levaram o Governo a implantar a Caixa de Conversão.
Segundo LEVY “a implantação da
Caixa de Conversão foi decorrência de uma política econômica visando o
favorecimento da classe dos cafeicultores. A superapreciação cambial
prejudicava o crescimento da atividade cafeeira de exportação. Em vista das
circunstâncias descritas, os cafeicultores de Minas Gerais e do Rio de Janeiro
liderados por São Paulo passaram a reivindicar uma política de valorização do
preço internacional do café, através da retenção dos estoques excedentes.
Forma-se, então, o chamado “Convênio
de Taubaté”, que estabelece como prioridade a tomada de empréstimos externos
para dar curso à nova política com apoio do Estado. A União usa como mecanismo,
em 1906, para a implantação da nova estratégia, a criação da Caixa de
Conversão, que num primeiro momento tinha como objetivo a desvalorização
cambial até que se atingisse uma taxa cambial de estabilização51.
Por outro lado, sob a ótica de
FRITSCH, a adoção do padrão-ouro foi um mecanismo com vistas à estabilização
cambial, e ao contrário do que a historiografia tradicional afirma, não foi um instrumento
cuja concepção foi formulada para atender os interesses coorporativos dos
cafeicultores.
Segundo o autor, a Caixa de
Conversão “era um mecanismo capaz de trazer a estabilidade monetária doméstica
e ao mesmo tempo, restaurar o equilíbrio a Balança de Pagamentos (...) e a
afirmativa de que a adoção ocasional do padrão-ouro foi motivada pela intenção
de proteger os interesses setoriais da cafeicultura parece ser uma
simplificação grosseira”.
Partimos da premissa que as
apreciações de ambos os pesquisadores são complementares e, portanto, adicionam
elementos igualmente relevantes para a elucidação das razões que motivaram o governo
a adotar o mecanismo da Caixa de Conversa, uma vez que o implemento da
estabilização cambial e monetária era premissa necessária para que, de fato,
ocorresse um aumento na entrada de recursos externos, pleiteada pelos
cafeicultores.
Bibliografia:Chavantes Ana Paula – A Consolidação do Setor Bancário
em São Paulo na Década de 20 – fev 2004