Moradia de população pobre |
A população, nos últimos 10 anos triplicara e era preciso que o poder público cuidasse da unidade urbana, a habitação privada, mas daquela onde se acumula a classe pobre, a estalagem onde pulula a população operária, o cortiço como vulgarmente se chamam essas construções acanhadas, insalubres, repulsivas, algumas onde as forças vivas do trabalho se ajuntam em desmedida, fustigada pela dificuldade de viver, nessa quase promiscuidade que a economia lhes impõe, mas que a higiene repele.
A epidemia de febre amarelada foi a razão apontada pela Comissão para que o poder público tomasse a iniciativa, pois ela deixara a seguinte lição: as condições do meio, a topografia e as condições de vida da população foram os motores do seu surgimento e de sua evolução, e a população operária foi a sua maior vítima. Com relação à topografia urbana, o poder público iniciou a realização de obras de saneamento.
Naquele ano de 1893, estava começando a ser realizada a construção e reforma da rede de água e esgoto com a encampação da Cia Cantareira de Esgoto pelo estado de São Paulo. Entretanto, quanto à população, o poder público deveria intervir, impondo um regulamento à “indústria da construção e locação dos prédios” inadequados à moradia. O Relatório não é omisso em relação aos proprietários de estalagens, cortiços, hotéis, casas de dormida e nem em relação aos que constroem e aos que locam prédios “sem atenção às leis da moral e à vida dos seus inquilinos”, e os condena.
No bairro onde a epidemia se alastrou, há três casos fatais registrados. O que o Relatório constata é a presença dominante de cotiços ou estalagens, casas de dormida, prédios transformados em hospedarias, vendas ou tascas com aposentos para alugar nos fundos e hotéis de terceira e quarta ordens transformados em cortiços. Conforme sentenciava a Comissão, os abusos dos proprietários e construtores tenderam a aumentar ao invés de diminuir.
A epidemia de febre amarela circunscreveu-se ao quatrilátero limitado pelas ruas Duque de Caxias, Visconde de Rio Branco, Victoria e Triumpho, e mais o triangulo formado pelo largo do General Ozório. Essa área, segundo a observação do engenheiro Theodoro Sampaio, que mostra seu conhecimento de Geologia, correspondia à antiga bacia palustre, uma primitiva lagoa que fora aterrada. Uma depressão no terreno marcava os quarteirões localizados no interior do quadrilátero, fazendo com que a drenagem fosse imperfeita e, para agravar ainda mal mais a situação, os serviços de esgoto era insuficientes e mal construídos. Assim, os terrenos eram úmidos e durante a época das chuvas, nos verões paulistanos, formavam-se verdadeiras lagoas de águas pluviais, que somente desapareceriam com a persistente insolação. A rede de esgoto recém-instalada de forma incompleta em algumas ruas funcionava precariamente: não permitia o escoamento e, ao mesmo tempo, nas épocas de chuvas intensas, fazia refluir o material das galerias. Os inúmeros prédios construídos na região ocultavam a depressão da bacia palustre, impediam a drenagem e dificultavam a secagem solar.
Bibliografia:
Os cotiços de Santa Iphigênia: sanitarismo e urbanização (1893) pág 41
Cordeiro, Simone Lucena, organizadora